Há muito tempo atrás, antes mesmo do surgimento das primeiras estrelas, ela despertou. Era uma terra escura e deserta sem vida ou qualquer luz. Ela era a própria luz, a escuridão não lhe afetava da mesma forma que afetava qualquer outro que viria a nascer depois. A escuridão sequer existia da forma que todos viriam a temer no futuro. Durante a primeira grande noite, ela vagou, até que a primeira grande estrela surgisse no horizonte iluminando tudo ao seu redor. Era o Sol.
Sentada na beira do primeiro mar, Ela assistiu maravilhada surgir ao leste num misto de vermelho e amarelo e azul aquela misteriosa figura. O Sol, por sua vez, ficou maravilhado com aquela luz branca que o admirava da beira do mar. Ali no horizonte o Sol parou e ficou. Por um longo tempo os dois apenas se olharam. Ele havia se apaixonado e não queria deixar aquela bela imagem lhe fugir. Por quanto tempo tudo permaneceu parado não se sabe. Aquele ficou conhecido como o primeiro grande dia, tão longo ou talvez maior que a primeira noite.
Fazer aquilo estava drenando completamente todas as forças do Sol. Ele sabia que não conseguiria se manter parado no horizonte por muito mais tempo. Então deixou que o tempo voltasse a fluir, se despediu Dela e começou sua trajetória ao longo do céu até desaparecer no outro lado do horizonte nas montanhas sem saber se conseguiria retornar a ver aquela luz por quem se apaixonara.
Ainda sentada, Ela acompanhou todo o caminho que o Sol percorreu pelo céu até desaparecer nas distantes montanhas ao oeste com a mesma combinação de cores que por tanto a impressionou, mas agora, trazendo a Escuridão. Ali nasceu a Escuridão que viria a causar temor no coração de tantos no futuro. Mas aquela Escuridão não lhe trazia medo, lhe trazia apenas Tristeza e Solidão. Sentimentos que lhe acompanharam pelo que veio a se tornar a segunda grande noite.
Banhada pela Tristeza e pela Solidão que havia nascido com a partida do Sol e o início da Escuridão, Ela vagou por toda a terra em sua volta em busca de algo que Ela mesma não sabia o que era. Ela vagou pelas planícies desertas em direção as montanhas onde o Sol havia desaparecido, mas não o encontrou. Do alto das montanhas Ela pôde ver a imensidão de terra que lhe cercava. Junto com a Curiosidade, Ela sentiu uma enorme vontade de explorar cada milímetro de todo aquele lugar. E assim o fez, descobrindo que por mais infinita que aquela terra fosse, havia um fim. Em todos os lados, a terra estava coberta pelo Mar. Ela teve vontade de explora-lo, mas diferente do Sol, o Mar nunca foi tão amigável. Sentindo sua vida sendo sugada cada vez que tentava se aventurar pelo Mar até desmaiar e acordar novamente sempre no mesmo local onde acordara pela primeira vez.
Durante sua jornada por toda aquela terra deserta, o Sol jamais tornou a aparecer fazendo com que a segunda grande noite fosse mais longa do que qualquer outra era na terra. Ansiando por vê-lo outra vez, Ela chorou. Suas lagrimas encontraram a terra lhe trazendo a Vida. A Vida se espalhou por todo lugar que ela já havia pisado, até mesmo na beira do Mar sendo capaz de acalmar sua ira pela primeira vez. A Vida se espalhou como um chamado pelo Sol, esperando seu retorno para que pudesse despertar.
Ouvindo seu chamado, o Sol novamente apareceu no horizonte. Não tinha mais forças para trazer consigo um novo e longo dia, mas forte o suficiente para cruzar o céu e vislumbrar toda a criação trazida por Ela, a Vida. O Sol sempre tentava permanecer no céu o maior tempo possível. Com isso alguns dias eram mais longos do que os outros. Mas o Sol precisava descansar um pouco mais ao menos uma vez a cada 365 passagens sua pelo céu. O seu dia de descanso passou a ser conhecido como o Solstício de Inverno, onde a Noite era sempre mais longa e completamente tomada pela Escuridão. Mas cerca de 180 dias depois de seu grande descanso, ele se sentia forte o bastante para permanecer um longo tempo no céu afastando a Noite e a Escuridão. Este dia ficou conhecido como o Solstício de Verão.
Depois de espalhar a vida para a terra, Ela se sentiu fraca e dormiu. Muitos Solstícios se passaram até que Ela pudesse recuperar suas forças e despertar novamente. Quando finalmente acordou de seu longo sono, Ela se viu cercada pela Vida que havia cultivado na terra. Plantas, arvores, flores e uma infinidade de criaturas repletas de Vida ao seu redor. Aquela visão encheu seu coração com a mesma alegria que teve ao vislumbrar o Sol pela primeira vez. Aquele era o fruto do amor que sentiu ao ver o Sol. A alegria foi maior ainda ao descobrir que o próprio Sol havia retornado e estava cuidando de seus filhos enquanto ela descansava.
Não demorou muito tempo até que ela aprendesse a se comunicar com todas aquelas formas de vida espalhadas pela terra. Ela era conhecida como a Grande Mãe por todos que lá viviam e haviam aprendido com o Sol sobre Ela.
Muitos outros Solstícios se passaram até que ela conhecesse cada espécie de ser vivo existente, aprendendo com eles e lhes ensinando tudo o que podia.
Apesar de tudo, Ela ainda não conseguia se aventurar pelo Mar. Mesmo agora que parecia calmo e ocupado com toda a Vida que Ela havia lhe dado, ainda assim ele não a deixava cruza-lo. Por dias as vezes, Ela sentava na beira do Mar e ficava admirando o nascer e o por do Sol apenas esperando por algo que não sabia que esperava.
Numa manhã, avistou ao horizonte vindo do leste as primeiras embarcações. Ela, é claro, não sabia o que eram até que finalmente lhe alcançasse e delas saíssem ao todo quatro dúzias de seres, pessoas que se assemelhavam a Ela. Eles tinham uma forma de se comunicar diferente de todas as que Ela já havia aprendido. Apesar disso, não teve dificuldade alguma para aprender a se comunicar com eles.
Observou seus métodos um tanto destrutivos de viver. Fez o possível para lhes ensinar a viver como ela, mas aprendeu que aquilo não era totalmente possível. Com eles, os humanos, ela conheceu pela primeira vez a Morte. A Morte lhe seguia onde quer que fossem. A Morte estava com eles quando matavam as arvores ao seu redor em busca de construir seus abrigos, quando matavam aquilo que viria a ser seu alimento e no final, vinha buscar cada um deles talvez como troca por tudo aquilo que ela havia lhes dado.
Os humanos gostavam de dar nome à tudo ao seu redor, mesmo a si próprios, e passaram essa característica para praticamente todos os seres que tiveram contado, até mesmo Ela. Eles chamavam a si mesmos de seres humanos e batizaram tudo o que conheceram. Seu novo lar recebeu o nome de Kendria. Também não demorou muito até que criassem um nome pra que pudessem chamá-la. Para eles Ela podia não ser a Grande Mãe como era vista por todos os seres que ali já viviam, mas respeitaram este nome e passaram a chama-la assim em seu próprio idioma. Ela logo passou a ser conhecida por todos como Danú.
Danú aprendeu com os humanos tudo que eles sabiam sobre o além do mar. Lhe contaram histórias sobre sua terra natal. Era um lugar bem pequeno e lotado de pessoas. Era conhecido como a terra do Sol. O Sol iluminava aquele lugar desde que o mais antigo dos humanos pudesse se lembrar.
Os primeiros humanos, por muito tempo não conheciam a Morte. Apesar dela já existir a muito tempo, ela não vagava na terra deles até o surgimento da primeira grande noite deles. No momento em que o Sol lhes abandonou, eles conheceram o Caos que trouxe consigo a Escuridão e a Morte. Teve início à uma era de trevas em que pouco se sabe o que aconteceu até o retorno do Sol.
O Caos não lhes abandonou, mas muitos aprenderam a controlá-lo e teve início a uma nova era de prosperidade na terra dos humanos. A prosperidade durou até o momento em que o Sol lhes abandonou mais uma vez. Não durou muito até que o Sol voltasse, mas agora ele não ficava mais por muito tempo e as novas gerações tiveram de aprender a conviver entre a Escuridão e o Sol. Muitos daqueles que nasceram nos tempos do Sol acabaram enlouquecendo e trazendo novamente o Caos sem controle que acabou criando a Guerra. Aqueles que nasceram na era da Escuridão e do Sol resolveram fugir da terra dos humanos. Centenas de embarcações foram construídas e cada uma resolveu seguir seu próprio caminho. Algumas foram para o norte, algumas para o leste, umas poucas para o sul e eles seguiram para o oeste. Tendo encontrado aquela terra no oeste, batizaram como Kendria, que significava terra do oeste em seu próprio idioma. Nunca souberam o que aconteceu com as outras embarcações enquanto viveram em Kendria.
Danú passou a conviver entre eles durante muitos Solstícios e por muitas vezes assistiu a Morte levar cada um que Ela já havia conhecido. Ela queria entender a Morte e o porquê dela levar todos menos Ela. Não demorou muito até que passou a admirar a Morte e o efeito que seu trabalho tinha na Vida de todos. Ela viveu com os humanos e se apaixonou muitas vezes por alguns deles. Dessas paixões muitos filhos foram gerados. Seus filhos se assemelhavam mais com os humanos do que com Ela. Eles tinham uma vida maior do que qualquer humano sonhava em ter, mas um dia todos acabavam sendo levados pela Morte, todos menos Ela.
Muitas gerações já haviam sido levadas pela Morte quando ela resolveu deixar de viver entre os humanos, já sendo dominada por uma tristeza que não lhe abandonava desde a Primeira Grande Noite.
O mundo estava completamente diferente desde o dia em que deixou sua exploração para viver entre os humanos. A Morte havia explorado Kendria e gerado filhos para vagar por lá. Seus filhos levaram quase todos os animais, as plantas e os outros seres vivos que haviam conhecido Danú. A Morte admirava Danú e queria nunca ter de levá-la, embora soubesse que este dia chegaria assim como aconteceu com todos que vieram antes Dela.
Muitos Solstícios se passaram enquanto Danú viveu no reino animal, trabalhando por algo que ela acreditava ser um futuro ideal e assistindo de perto sempre que a Morte vinha levar cada um. Com o tempo os dois acabaram se apaixonando. A permaneceu platônica, pois a Morte temia o destino de todos aqueles que um dia já se apaixonaram e viriam um dia a se apaixonar por ela.
Os seres humanos acreditavam ter conseguido escapar de tudo aquilo que fugiam ao chegar em Kendria. Mas era inevitável o dia em que o Caos finalmente encontraria seus filhos perdidos. Quando Danú mais uma vez esbarrou com os humanos, eles já haviam formado grandes civilizações em toda planície ao longo do Leste de Kendria entre as montanhas do Norte, as Florestas Centrais, o mar litoral do Oeste e suas primeiras casas no Sul. Ela ficou apaixonada pelas enormes construções dos humanos.
Os descendentes dos filhos que ela teve entre os humanos se tornaram grandes linhagens de reis, vivendo em enormes castelos e admirados e amados por todos nos dias de paz e prosperidade. Toda essa era de paz e prosperidade teve seu fim quando o Caos finalmente encontrou Kendria e trouxe consigo a Guerra, a Fome e a Peste destruindo todas as grandes cidades de Kendria trazendo consigo uma era sombria por todo o Oeste da terra de Danú.
Sem muito sucesso, Danú tentou interferir. Mas o Caos era tão poderoso e antigo quanto a Vida que Ela trazia consigo. Sua destruição era sempre maior que Danú poderia reparar. Sem saber mais o que fazer, Ela buscou ajuda do Trovão. Ela não sabia muito sobre seu passado ou quando e como ele havia surgido em Kendria, mas Danú sabia que o Trovão era tão antigo quanto ela e talvez juntos poderiam fazer algo para impedir ou ao menos afastar o Caos. Danú apenas soube da existência do Trovão ao conhecer um estranho povo pacífico que vivia no coração das florestas. Eles diziam ser filhos do Trovão, tendo surgido de sua ira. Os humanos os chamavam de Tárias e pouco sabiam sobre eles, ou sobre aquele que eles chamavam de Pai.
O Trovão nunca havia se manifestado em Kendria até o dia em que prometeu ajudar Danú a impedir que o Caos destruísse seu lar. Ele trouxe as Nuvens para Kendria pela primeira vez, cobrindo toda sua extensão e trazendo a Primeira Grande Chuva para limpar a sujeira criada pelo Caos. A chuva durou 40 dias e 40 noites de batalha entre o Trovão e o Caos. O Céu de Kendria, durante todo esse tempo, esteve coberto pelos estrondos da batalha. Danú deu ao Trovão uma pequena parte de sua luz para ajudar na batalha. Essa luz poderia ser vista no céu iluminando toda a Escuridão que tomava conta do campo de batalha nos céus a cada golpe que o Trovão dava no Caos.
Ao fim dos 40 dias de batalha, os dois estavam completamente exaustos e declararam uma trégua. Uma trégua que durou por cinco Solstícios tomados pela calmaria antes da grande tempestade. Durante a trégua, o Trovão foi até Danú com a certeza de que os dois juntos não seriam capazes de derrotar o Caos. Eles precisariam de mais alguém. Danú sabia quem poderia ajudar, mas também sabia que não receberia essa ajuda. Afinal, a Morte a evitava desde a primeira vez que se viram.
O dia em que Morte sempre temeu e ao mesmo tempo ansiou havia finalmente chegado. Ela levaria Danú, mas não poderia levar o Caos, ainda não era sua hora. Mas prometeu ajudar a manter a terra de Danú livre do Caos pelo tempo que pudesse. Mesmo sabendo que o tempo poderia ser curto, Danú aceitou a oferta da Morte de manter o Caos fora de Kendria se pudesse levar Danú consigo.
O Trovão, assim como a Morte, havia se apaixonado por Danú e não podia deixar a Morte leva-la. Pediu ajuda de seu pai, o Tempo para proteger Danú da Morte e declarou uma guerra contra a própria Morte.
O Caos estava adorando aquilo tudo pois era justamente o fruto de seu trabalho agindo em torno de Danú. Deu início à uma guerra entre o Tempo, a Morte e o Trovão. Dessa vez a batalha aconteceu não só no Céu como nas terras do Leste de Kendria onde o Caos havia se instaurado. Teve início a uma longa era onde o Caos dominou completamente as terras de Kendria trazendo consigo a Guerra que se espalhou por todos os seres vivos.
Danú não sabia mais o que fazer. Decidiu Ela mesma por um fim na Guerra e em toda destruição de uma vez por todas. Ela procurou a Floresta, o Mar, os Humanos, os Animais e a própria Sabedoria formando um exercito que traria o fim ao Caos, a Escuridão e a Guerra que dominavam Kendria graças a luta sem fim entre o Tempo, a Morte e o Trovão. Ela foi percorrendo um por um fazendo o tempo parar, um enorme raio surgindo do centro da tempestade e espalhando a morte por todo o Leste de Kendria.
Quando tudo chegou ao fim, o Sol pôde novamente iluminar a terra de Kendria sem que as nuvens o bloqueasse. O Caos havia fugido da batalha e por muito tempo permaneceu desaparecido. A Guerra foi carregada pelo Mar e levada para o Leste do Mundo. A Luz de Danú havia capturado a Escuridão e se espalhado por todo o céu trazendo as estrelas. Sem a ação desses três, o Tempo voltou a fluir normalmente e o Trovão conteve sua ira, apenas liberando parte dela de tempos em tempos formando pequenas tempestades. A Morte teve Danú no final e levou consigo quase todos os que participaram da batalha, mas a Vida de Danú ficou para trás guiando o que sobrou e se espalhando novamente em Kendria. Exceto pelo local onde o Caos reinava no Leste de Kendria que acabou se tornando um enorme deserto sem vida onde o Mal passou a reinar nas eras que vieram a se seguir.
Danú deixou para trás cinco filhas que eram o fruto de suas vontades e desejos mais fortes para guiar o que restava de Kendria. A Primeira permaneceu na floresta herdando sua paixão e compreensão por todos os seres vivos; a Segunda herdou sua paixão pelo mar e pôde finalmente explora-lo com seus mistérios permanecendo ao longo dos litorais e das pequenas ilhas ao redor; a Terceira herdou seu amor pelos humanos e permaneceu nos desertos a fim de conter o Mal junto com os poucos que ali sobreviveram; a Quarta herdou seu amor pelos animais e permaneceu nas planícies vivendo entre eles e os protegendo de qualquer ameaça vinda do Leste; e a Última herdou sua sabedoria, e ficou também com suas lembranças. Ela se exilou de todas as outras, se manteve sempre vagando pelo mundo como uma Cigana disfarçada sem nem mesmo suas irmãs sendo capazes de reconhecê-la caso ela não quisesse ser encontrada. Ela tornava a viver de tempos em tempos nas no Norte de Kendria onde Danú viu seu primeiro por do Sol.
As cinco se tornaram as guardiãs de Kendria trabalhando direta e indiretamente pela paz e harmonia a fim evitar que o Caos tornasse a reinar novamente naquele lugar.
Com o fim de uma era de reconstrução do mundo, os humanos voltaram a formar novar grandes civilizações em Kendria. O Mal agiu no coração dos humanos no deserto fazendo acontecer uma grande batalha seguida pelo expurgo dos descendentes dos filhos que Danú teve com os humanos e expulsando a Terceira que por muitas gerações se manteve como líder entre os humanos.
Aquilo fez crescer um temor entre as Cinco fazendo com que enviassem todos aqueles que haviam sido consumidos pelo Mal fossem expulsos para um novo continente descoberto ao Leste. O continente havia sido batizado na língua dos humanos como Andria, que significava Terra do Leste.
A Terceira acabou seguindo os humanos para Andria por conta do amor por eles que havia herdado de sua mãe e durante eras não teve mais contato com suas irmãs até que os humanos retornassem a Kendria.
Os descendentes dos filhos de Danú com os humanos no passado que sobreviveram ao expurgo receberam a orientação da Última e passaram a viver nas montanhas ao Norte. Alguns anos depois, muitos deles decidiram cruzar o oceano e viver entre aqueles que moravam nas terras de Andria, agindo como guias e lideres entre aqueles que tentavam se livrar do Mal que havia contaminado o coração dos humanos.
Danú ainda teve dois outros filhos. Um com o tempo e outro com a Morte. O Sexto e o Sétimo permaneciam escondidos, vagando por todas as terras do mundo conhecidas pela Morte e pelo Tempo procurando uma forma de trazer de volta a Grande Mãe antes que o Caos retornasse trazendo consigo o Fim dos Tempos.