Quarta-feira

TÉRREO!

Por que será que todo mundo que conheço meio que ignora a quarta-feira?

Sério! Não tem uma pessoa além de mim que gosta da quarta-feira. A maioria nem mesmo tem uma opinião formada sobre ela. O que tem de tão errado com esse dia? É porque não fica nem no início e nem no final da semana? É porque ela fica igualmente longe daquela coisa chamada final de semana que todo mundo ama? Eu nunca entendi uma coisa dessas e acho que nunca vou conseguir entender.

PRIMEIRO ANDAR!

Vai ver é porque eu entendo o que a quarta-feira sente ao ser ignorada pela maioria das pessoas. Ela não é uma segunda-feira para receber o ódio daqueles que tiveram finais de semana memoráveis chegando ao fim, ou apenas fingiram isso numa publicação ou série de fotos no Facebook, e ela também não é uma sexta-feira para ser amada e idolatrada com fotos de copos e garrafas de cerveja acompanhadas por algo como “Começando os trabalhos” nas suas descrições.

SEGUNDO ANDAR!

Acho que uma quarta-feira nunca vai receber um perfil no Twitter ou no Facebook que não faz nada além de avisar que esse dia chegou.

Eu entendo a quarta-feira. Sinto que somos igualmente ignorados pela maioria das pessoas.

TERCEIRO ANDAR!

Toda quarta-feira eu tento fazer algo em especial para comemorar nossa mediocridade juntos. As vezes vou ao cinema, ou compro algum livro que estava de olho, ou…faço nada, não tem muita coisa que uma quarta-feira possa fazer da vida.

QUARTO ANDAR!

Nessa quarta-feira em específico eu tentei fazer algo de diferente…tentei.

Eu fiquei até tarde no escritório. O que eu fazia não era importante, afinal, eu não era nem uma segunda, nem uma sexta-feira, por isso eu podia ficar até mais tarde no escritório sem ninguém notar.

A maioria das pessoas já havia ido pra casa. Eu, cansado, resolvi dar uma caminhada do prédio até a lanchonete mais próxima. Não comprei nada, não estava com fome. Só fiz isso para ter a companhia da rua.

Faço isso as vezes, ando sem rumo pela calçada próximo a algum grupo de pessoas enquanto finjo, mentalmente, que aqueles desconhecidos eram meus amigos. Imaginava nossas conversas sobre aquela festa incrível que fizemos na casa de fulano, o coffee break que fizemos na última sexta-feira antes de sair do trabalho e tomar todas em algum bar.

Medíocre, eu sei, mas é assim que uma quarta-feira como eu faz quando se sente só.

QUINTO ANDAR!

Enfim…nessa quarta-feira, como em todas as outras eu não fiz nada de marcante em minha caminhada até a lanchonete mais próxima. Nem na ida, nem na volta.

SEXTO ANDAR!

Até agora…de volta ao prédio onde trabalho no longo caminho do térreo até minha baia dentro do escritório…lá está ela. Eu sempre tinha visto todo tipo de pessoa enquanto esperava dentro do elevador. Mas ninguém como ela. Não consigo palavra melhor para descrevê-la senão…ANJO. ELA É UM ANJO….só pode.

SÉTIMO ANDAR!

Não um caído, ou um qualquer que se perdeu na sua última missão angélica ou sei lá. Se pudesse, apostaria que ela era um daqueles anjos com grandes missões, como…bem, na verdade não faço a mínima ideia de que tipo de missão um anjo importante faria se estivesse na terra…ou se existisse. A existência ou não de um anjo não é algo que uma quarta-feira como eu possa filosofar.

Não adianta tentar descrever. Pegue a imagem que você tem na mente de como seria o anjo mais belo desde o Big Bang e coloque na sua frente sob a forma feminina.

Ainda mais um anjo como esse. E ela sorriu pra mim enquanto entrava no elevador. Provavelmente foi só de cortesia…sabe, procedimento padrão. “Tem uma pessoa qualquer dentro do elevador…melhor eu lhe dar um sorriso pra…você sabe…ele não achar que sou uma pessoa grosseira ou algo assim”.

OITAVO ANDAR!

Isso não faz o menor sentido.

Lá está ela, de costas, parada na minha frente. Céus como eu queria falar alguma coisa. Qualquer coisa, mesmo um simples “Oi”, um “Olá”…perguntar as horas talvez.

Eu já vi praticamente todo mundo que já trabalhou nesse prédio. Como nunca passei por ela antes? E o que diabos ela fazia ali numa quarta-feira depois do expediente.

Será que ela é como eu? Impossível.

Não há hipótese alguma que um anjo como aquele pudesse se igualar à quarta-feira. Ela seria uma sexta-feira ou um sábado. No máximo um domingo, mas quarta-feira, jamais.

DÉCIMO SEGUNDO ANDAR!

Já se passaram quatro andares desde que ela entrou nesse elevador e eu fico aqui gastando meu tempo pensando nos dias da semana ao invés de simplesmente falar com ela.

Já levantei a mão algumas vezes chegando perto de cutucar seu ombro para lhe chamar a atenção mas desisti todas as vezes.

DÉCIMO QUINTO ANDAR!

Ela virou pra mim. Ela virou pra mim.

Ela olhou no fundo dos meus olhos por alguns segundos e eu não fazia ideia de como reagir.

Tentei lhe responder com um sorriso, mas meus lábios simplesmente congelaram. Meu corpo inteiro congelou.

DÉCIMO SEXTO ANDAR!

Decepção?

Tenho quase certeza de que senti uma certa decepção em seu olhar. Por que será? Será que ela se decepcionou com o que viu? Ou foi por eu não ter feito nada quando ela me olhou? NÃO…tenho certeza que isso não foi.

Por que uma sexta-feira se decepcionaria com uma quarta. A sexta-feira não tá nem aí pra quarta. O máximo que se consegue numa quarta-feira é desconto no cinema. Eu não tenho nenhum desconto para lhe dar. Foi a primeira opção, com certeza.

VIGÉSIMO TERCEIRO ANDAR!

O quê? Quando foi que esse elevador começou a subir tão rápido. Nem consigo ver mais os andares passando. Ele costumava ser tão lento. O que é que está acontecendo?

Já se passaram oito andares desde que ela me olhou. Passei esse tempo todo pensando sobre esse olhar que não deve ter durado nem mesmo um segundo? Ou será que seu olhar foi um pouco mais longo que isso?

VIGÉSIMO QUINTO ANDAR!

Mais alguns andares e já chego no meu. Pra onde será que ela vai?

VIGÉSIMO NONO ANDAR!!

A porta se abriu! É agora!

Minha última chance de falar alguma coisa.

Eu enchi meus pulmões de ar na esperança disso me trazer alguma coragem.

É agora. Ela já vai sair.

Eu solto todo meu ar de uma só vez, mas nenhuma palavra se forma.

Já era. Perdi o que poderia ser minha única chance.

Espera!

Ela parou na porta.

— Você disse alguma coisa?

Ela tá falando comigo. Ela tá falando comigo!

E agora, o quê que eu faço? O quê que eu faço?

Espera, ela tá indo embora. O que? Eu demorei tanto tempo assim pensando nisso?

Será que ela se irritou com minha cara de paisagem?

A porta está se fechando e ela já está distante no corredor.

TRIGÉSIMO TERCEIRO ANDAR!

Droga…nada disso importa mais.

A porta já se fechou e cheguei no meu andar.

Foi tão rápido que nem vi o tempo passar.

O escritório está completamente vazio.

Todos já devem ter ido para casa.

As luzes já foram apagadas.

Esqueceram de mim e isso não me surpreende.

Todo mundo sempre esquece da quarta-feira regularmente.

Vou ficar mais uma horinha aqui antes de ir. Não tenho muito o que fazer em casa.

Também já assisti todos os filmes em cartaz no cinema, por isso não tenho o porquê de ir para lá hoje.

Esse é o problema com a quarta-feira. Por mais longa que ela possa parecer, ela simplesmente não tem nenhuma importância para a vida de ninguém.

Quando passa a gente simplesmente esquece que aconteceu.

Eu queria poder dar um final feliz, ou mesmo um final decente, mas me desculpe…é disso que se trata uma quarta-feira.

Não existem finais numa quarta-feira.

Não existem nem mesmo começos numa quarta-feira.

Talvez existam meios…,mas só daqueles que estão lá apenas para encher barriga.

É assim uma quarta-feira. Ela apenas fica lá…no seu canto tentando não incomodar ninguém enquanto todos esperam a chegada da sexta-feira.

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