A Zebra e o Abutre

Era uma vez um abutre que gostava de comer abacate. Mas o abutre não podia comer abacate, ele precisava comer sua velha e boa carniça de sempre. Era terrível para esse pequeno abutre continuar comendo carniça depois de sua última descoberta a respeito das carniças. Ele decidiu abandonar sua dieta a base de carniça no dia em que fez amizade um tanto inesperada com uma zebrinha bem curiosa.

Certo dia, enquanto procurava alguma carniça pela manhã, o abutre viu uma zebra triste ao lado de uma suculenta carniça e ficou curioso com a cena.

– Porque você está chorando enquanto olha para esta carniça aí no chão?

– Minha mãe foi atacada por uma leoa.

– E onde está sua mãe?

– Aqui!

– Mas isso aí é uma carniça, é comida, não é uma zebra. Sua mãe é uma carniça?

– Isso que você chama de carniça era, na verdade, minha mãe antes de uma leoa vir nos atacar. Minha mãe me protegeu. A leoa acabou levando minha mãe ao invés de mim. Fiquei escondido num matagal enquanto a leoa devorava minha mãe até ficar satisfeita. Eu não consegui fazer nada para protegê-la, fiquei parado aqui feito um covarde. Nem sei quanto tempo se passou. Desde então permaneci aqui. Não podia deixar que ninguém mais devorasse o que restou dela.

– Mas isso não é possível. Nunca vi um animal se transformar em carniça antes.

– O quê? De onde você acha que vem as carniças?

– Da terra. Sempre que encontro uma carniça, encontro na terra. Me pareceu óbvio que elas brotavam da terra como as arvores.

– Nunca passou pela sua cabeça que talvez as carniças não brotavam da terra como brotam as arvores?

– Algumas vezes . Mas os abutres mais velhos continuaram dizendo para parar com as perguntas idiotas e aceitar logo que a carniça brotava da terra. Diziam que assim a vida seria um pouco mais fácil.

– E nenhum deles se importava com a morte dos outros animais?

– Não sei. O que é a morte?

– Sua mãe nunca lhe ensinou sobre a morte?

– Nunca conheci minha mãe. Quando nasci, tudo que encontrei ao meu redor, foram alguns ovos esmagados e uma carniça do lado. Me alimentei dela durante semanas. Um tempo depois, quando eu descobri que podia voar, acabei encontrando outros abutres. Não gostei muito deles, mas me ensinaram algumas coisas. Como encontrar carniça, por exemplo.

– E nenhum deles nunca te disse que carniça era na verdade o resto de um animal devorado?

– Não acho que eles saibam disso. Se soubesse, talvez não comeriam. Não me parece muito certo comer esta carniça agora que sei que na verdade isto é o resto do corpo devorado de sua mãe. Mas se eu não comer carniça, o que eu iria comer?

– Já comeu abacate?

E foi assim que o abutre se tornou viciado em abacate. Comeu abacate durante uma semana e deixou a carniça de lado. Infelizmente, o que o abutre não sabia era que o abacate não era capaz de mantê-lo vivo. E na semana seguinte, ele ficou muito doente e magro.

Sem saber o que fazer para ajudar seu novo amigo, a zebra encontrou os melhores curandeiros da região. Nenhum deles sabia o que fazer para ajudar o abutre, afinal, nenhum deles tinha tratado de um abutre antes. Até que um misterioso babuíno resolveu ajudar. Esse babuíno era o animal mais antigo de toda savana. Não foi preciso muito além de uma curta conversa até que o babuíno descobrisse o que estava errado com o abutre.

– O abutre não pode comer nada que não seja carniça. Nada disso alimenta o abutre. Algumas comidas podem até matar.

– Como você sabe disso?

– Oras, mas você é um abutre. E abutres devem comer carniça, é assim que as coisas funcionam. Zebra come planta, leoa mata e come zebra, abutre come restos da zebra, abutre morre, abutre vira comida de planta.

– Mas isso não é justo. Eu não posso comer os restos de outro animal que poderia ter se tornado meu amigo assim como a Zebra.

– Se o abutre não quiser comer carniça, o abutre morre de fome. Isso que o abutre sente agora é fome. Nada que o abutre comeu nos últimos dias lhe serviu de alimento. O abutre está enfrentando as consequências de não comer carniça.

– Mas eu não quero mais comer carniça, quero comer abacate ou qualquer outra coisa que não seja um animal morto. Você acha certo comer o resto de outros animais?

– Babuíno mata e come planta. O abutre acha certo matar uma planta?

– Mas a planta não é nenhum animal.

– Isso não quer dizer que a planta também não esteja viva. Não há nenhuma diferença entre matar uma planta ou matar um animal. Matar é apenas matar.

– Você quer dizer que eu devo matar outros animais?

– O abutre deseja viver?

– Mas é claro que quero.

– Então o abutre tem que comer carniça até encher o estomago.

– Mas, eu não entendo. Você diz que comer uma planta morta é o mesmo que comer um animal morto. Não quero matar ninguém e também não posso comer meu abacate. Não me resta nenhuma opção senão comer carniça?

– Sempre tem uma outra opção.

– E qual é?

– O abutre não come nada que um dia esteve vivo.

Daquele dia em diante, o abutre deixou de comer qualquer coisa, pois tudo que conheceu, um dia esteve vivo.

Não muito tempo depois, o abutre já estava muito fraco. Sentia que seus dias estavam chegando ao fim. O abutre e seu amigo zebra, que também havia decidido deixar de comer, estava começando a enfrentar as últimas consequências de sua nova dieta. Eles não conseguiam mais andar e passaram seus últimos dias deitados numa colina admirando o céu. No início apenas conversando. Conforme se tornava mais difícil falar, permaneceram em silêncio em completa harmonia e com certeza em sua decisão. Era como se um pudesse ouvir os pensamentos do outro.

Finalmente chegou o dia em que o abutre e a zebra tiveram seu fim. Os dois morreram no mesmo instante enquanto se despediam e aguardavam seu novo encontro nas estrelas junto com seus antepassados.

Dias depois, suas carniças foram comidas por outros abutres e algumas hienas. Seus ossos e o resto de alguns minerais que ainda haviam ficado para trás, foram consumidos por bactérias. E no fim, seus últimos minerais foram absorvidos pelas plantas, que foram mortas e comidas por outras zebras, que foram mortas e comidas por leões e tiveram suas carniças comidas por abutres até que um dia todos os animais e seres vivos da savana tinham um pouco do que um dia foi da zebra e do abutre. A cada refeição sentiam um momento de culpa pelo que faziam. O momento terminava ao fim da próxima mordida.

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